terça-feira, 8 de junho de 2010

ABAP - As Sutilezas da Enganação

por Cleiton Heredia

Assista logo abaixo a um vídeo de 30 segundos que a ABAP (Associação Brasileira de Agências de Publicidade) fez contra a auto-regulamentação das propagandas de cerveja:



Além deste vídeo que foi veiculado nas principais redes de televisão do país, a ABAP também publicou em várias revistas de circulação nacional o seguinte texto:

”Querem proibir a publicidade de cervejas no Brasil.
É o mesmo que proibirem a fabricação de abridores de garrafas no Brasil.
Nem a propaganda, nem o abridor são a motivação para irresponsáveis dirigirem embriagados.
A propaganda ou o abridor não são os culpados pela venda criminosa de bebidas alcoólicas a menores.
Abridores e a propaganda não são incentivadores dos covardes que praticam a violência doméstica.
Essas são questões que só a educação, a democratização da informação e o rigor no cumprimento das leis podem resolver.
Por isso, proibir a publicidade de cervejas não vai mudar em nada esse quadro.
A não ser tirar de você o direito de gostar ou não gostar desta ou daquela publicidade.
De se informar e de formar a sua opinião.
Um direito tão sagrado, quanto o que você tem de comprar ou não um abridor de garrafas.
E decidir o que fazer com ele.”



Eles conseguiram te convencer? Você já está morrendo de peninha destes perseguidos e injustiçados anunciantes de bebidas alcoólicas?

Para início de conversa o vídeo e o texto são falaciosos, pois apenas mencionam que "querem proibir a publicidade de cervejas no Brasil" sem, em nenhum momento, explicar que esta proibição aplicava-se à mídia eletrônica nos horários compreendidos entre 6h e 21h. Portanto, não se tratava de uma proibição absoluta, a exemplo do que aconteceu com o cigarro, mas apenas uma limitação de horário.

Como o lobby dos fabricantes de cerveja, das agências de propaganda e das emissoras de TV é muito forte, eles conseguiram diferenciar a cerveja das demais bebidas alcoólicas e assim se safar da restrição. O projeto de lei que tramitou em 2008 visava corrigir estas discrepâncias e conferir um pouco mais de lógica à legislação que regula a propaganda de álcool no país. Naquela ocasião foi feito um acordo entre os parlamentares e o governo para retirar a urgência da proposta e ela ficou sem prazo para ir a plenário.

É um verdadeiro absurdo esta defesa à falta de normatização e regras mais rígidas para veiculação das campanhas de cerveja, bem como é notório a covardia e indecência de nossas autoridades que se prostituem com o poder econômico à custa do bem estar da população.


Outra sutileza enganadora da ABAP está na comparação da proibição da publicidade de cerveja com a proibição da fabricação de abridores de garrafas. A cerveja é uma bebida alcoólica e, portanto uma droga psicoativa com elevado potencial para provocar dependência. Acho que qualquer criança sabe que o abridor de garrafas é tão distinto da bebida alcoólica quanto o saquinho plástico o é da cocaína ou o tubo de caneta Bic do crack. Esta foi uma comparação bem infeliz!

As mentiras continuam quando eles querem sinicamente sugerir que a proibição da publicidade de cerveja é o mesmo que tirar do cidadão o direito de ser informado e formar a sua opinião. Isto é mentira destes hipócritas que estão querendo beatificar os anunciantes de cerveja! Não está em jogo aqui o direito à informação, pois se assim fosse, por que então estes anunciantes simplesmente não anunciam o lançamento de uma nova cerveja da mesma forma que a ABAP fez o vídeo acima? Um fundo estático onde aparecem os dizeres:

"O Grupo Schincariol acaba de lançar sua mais nova cerveja com o nome DEVASSA que estará à disposição dos consumidores nos melhores bares, restaurantes e supermercados do país".

Isto é informação! Agora, as belas mulheres seminuas, os cenários paradisíacos, os garotões sarados, os artistas e esportistas famosos recomendando o produto, tudo isto vai muito além de informar. Isto é persuadir, convencer, atrair, envolver e cativar o público com o pensamento de que a vida será melhor e mais feliz quando ele passar a ser um consumidor daquele produto tão fantástico.

A propaganda pode não ser tão culpada por estimular o consumo inadequado de bebida alcoólica, mas com certeza é culpada por criar, explorar e veicular excessivamente vários apelos sensoriais que incentivam o consumo de álcool que podem por sua vez estimular o comportamento de risco (principalmente entre os mais jovens).


Gostei muito da postura do jornal Folha de S.Paulo que se posicionou oficialmente, em editorial publicado em 11/05/2008, da seguinte forma:

"Em termos de saúde pública e ciência, não há justificativa para tratar a publicidade de bebidas alcoólicas de qualquer gradação de forma diversa da do tabaco, que é vedada quase totalmente.

O álcool é uma droga psicoativa com elevado potencial para provocar dependência. Estudo da Organização Mundial da Saúde atribui ao abuso etílico 3,2% das mortes ocorridas no planeta (cerca de 1,8 milhão de óbitos anuais). Metade delas tem como causa doenças, e a outra metade, ferimentos. No Brasil, dados da Secretaria Nacional Antidrogas (2005) apontam que 12,3% da população entre 12 e 65 anos pode ser considerada dependente.

Não se trata de proibir o consumo de álcool, mas esses números deixam claro, por outro lado, que ninguém deveria ser estimulado a beber. A propaganda é uma atividade legítima para a esmagadora maioria dos produtos e serviços existentes. O caso das drogas lícitas é uma exceção. A Constituição Federal, em seu artigo 220, prevê restrições a esse tipo de publicidade.

Não faz, portanto, sentido a campanha que a Associação Brasileira de Agências de Publicidade mantém desde o final de abril afirmando que a restrição à publicidade de cervejas teria o mesmo efeito que proibir "a fabricação de abridores de garrafa".

Louvar as virtudes reais ou imaginadas de abridores de garrafa não costuma levar jovens a consumir quantidades crescentes de drogas psicotrópicas. Já a propaganda de cerveja o faz."

3 comentários:

  1. Usam um jogo de palavras parecido com o que alguns operadores do Direito utilizam: "a lei não existe para punir os maus e sim para proteger os bons". No que tange ao Direito eu concordo, mas aí seria um longo parágrafo explicativo. No caso da cerveja tal jogo é sem escrúpulos.

    SDS

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  2. Eu fiquei com dó dos fabricantes de bebidas alcoólicas. Agora, só tem um jeito: encher a cara para tentar esquecer essa injustiça cometida contra os pobrezinhos. (rs)

    Falando sério: esse pessoal é muito cara-de-pau. Contudo, cada sociedade tem os vícios que merece, ou melhor, que cultiva. Em muitos paises islâmicos, por exemplo, o consumo de bebida alcoólica é punido com a morte.

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  3. Pra tirar os comerciais de TV de bebidas alcoólicas com a justificativa de que os mesmos incentivam os mais jovens a beber, terão que tirar também os DVDs dos Trapalhões de circulação.
    O Mussum, meu personagem preferido, é um tremendo pinguço.
    Cresci assistindo e rindo com os pileques dele, junto com Tião Macalé, e nem por isso virei alcoólatra.
    http://www.youtube.com/watch?v=2NhvnXsCkJ8
    Novamente reafirmo que a propaganda estimula o consumo de qualquer produto, inclusive bebida alcoólica. Bebe quem quer!

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