quinta-feira, 14 de julho de 2011

Quando o perdão se confunde com a impunidade

por Cleiton Heredia


Antes de prosseguir no relato das minhas impressões sobre a pregação que ouvi nesta terça-feira passada (12/07), eu gostaria de esclarecer algumas coisas, pois acabo de receber um telefonema tecendo severas críticas sobre a minha última postagem. A pessoa, cuja identidade irei preservar, falou que eu estou errado em criticar a mensagem do pastor, pois desta forma estou diminuindo a sua eficácia, bem como sendo um instrumento do Diabo ao desviar as mentes mais jovens da fé em Deus.

Em primeiro lugar, quero esclarecer que não tenho nada pessoal contra o pastor Rafael Rossi (nunca havia ouvido falar dele), nem muito menos contra a Comunidade Adventista do Morumbi (tenho alguns amigos lá dentro) ou mesmo contra a Igreja Adventista do Sétimo Dia (mantenho até hoje várias amizades neste segmento religioso). Quero que entendam que os meus comentários neste blog são meras reflexões pessoais dos fatos que me cercam, vistos e analisados sob minha "atual" perspectiva filosófica.

Não tenho a menor intenção de fazer proselitismo das minhas ideias (odeio o proselitismo religioso), nem muito menos pretendo enfraquecer ou aniquilar a fé em Deus de quem quer que seja. Aliás, caso você que acompanha este blog seja uma pessoa facilmente influenciável e titubeante nos caminhos da fé, por favor, pare agora de ler este blog e vai estudar a sua Bíblia que você ganha mais.

Este blog tem como objetivo fomentar algumas questões que considero relevantes na busca despreconceituosa da verdade, esteja ela onde estiver, e principalmente sem medo daquilo que vai encontrar pela frente.

Bem, dito isto, permita-me concluir meus comentários iniciados na postagem anterior.

Após uma brilhante (do ponto de vista religioso) e muito didática explanação do capítulo 5 de Apocalipse, o pastor resolveu concluir sua mensagem com uma ilustração sobre o perdão de Deus extraído de sua própria experiência pessoal.

Ele contou que estava viajando por uma rodovia quando seu telefone celular tocou. Como se tratava de um amigo que ele não falava há muito tempo, resolveu continuar conversando ao telefone e dirigindo ao mesmo tempo. Tudo transcorria na mais perfeita calma quando ele é surpreendido pelo carro à sua frente que havia quase parado em razão de uma barreira policial que ele, por estar distraído conversando no celular, não havia notado. Ele contou que apenas teve tempo de frear bruscamente e puxar o carro para o acostamento. Tal manobra brusca resultou em um quase atropelamento de um policial rodoviário federal que estava no acostamento naquele momento, e que precisou se jogar no chão para não ser atingido.

Como resultado de sua imprudência ao volante, o policial disse que iria lhe aplicar 3 multas de classificação gravíssima, ou seja, 7 pontos cada uma resultando em 21 pontos com a consequente perca da sua carteira de motorista. O pastor contou que na verdade deveriam ter sido 4 multas, mas o policial não percebeu que tudo havia acontecido porque ele falava ao celular.

O pastor enfatizou que pediu perdão ao policial, mas estava ciente de que não escaparia de ser devidamente autuado. Porém, sem qualquer tipo de explicação, o policial simplesmente mudou de ideia e decidiu perdoá-lo não aplicando mais as multas. O policial simplesmente devolveu sua carteira de motorista e depois de um "sermão" sobre prudência ao volante, o mandou embora.

Eu ouvi aquilo e imediatamente pensei comigo: "Maldito país da impunidade! É por isso que as coisas aqui estão do jeito que estão". É claro que qualquer um no lugar daquele pastor ficaria muito feliz pela generosidade do policial, mas aquele policial na verdade foi negligente em seu dever. Menos mal que foi negligente com um pastor consciencioso que como certeza não usará aquela experiência de impunidade como motivo para praticar outras infrações. Mas confesso que achei aquela história bem inadequada para se contar em uma igreja na frente de crianças e jovens, e principalmente usá-la para ilustrar o perdão de Deus.

De acordo com a soteriologia bíblica, Deus não se torna um negligente em relação à sua lei ao perdoar o pecador. Ele paga o preço da transgressão no lugar do transgressor para então poder perdoá-lo. Esta história do pastor só faria sentido no contexto salvífico se o policial aplicasse devidamente as multas e ele mesmo as pagasse com seus próprios recursos financeiros, inclusive entregando a sua própria carteira de motorista ao transgressor, ficando ele mesmo o resto da vida sem poder dirigir, para que o transgressor perdoado pudesse voltar a ser um motorista sem qualquer tipo de restrição (como se isto fosse na prática realmente possível).

Bem, espero que você tenha entendido que meus comentários não são provenientes de qualquer tipo de aversão à religião ou aos religiosos, mas simplesmente eu os faço, e continuarei fazendo, cada vez que perceber que os princípios da lógica, da razão e do bom senso estiverem sendo de alguma forma violados.

Um comentário:

  1. Excelente texto. concordo com você. Esta ilustração jogou por terra toda a mensagem, como infelizmente vem acontecendo demais no seguimento adventista (muitos pastores com conhecimento superficial e com tendências pentecostais). O pastor certamente não se apercebeu que a ilustração é indevida. Seria interessante que alguém indicasse ao pastor seus dois textos. Seria bom para ele. Nós (você e eu) que cursamos a faculdade de Teologia sabemos que a mensagem dele, sob o ponto de vista da doutrina da salvação, ficou equivocada em face da ilustração utilizada e bem explicada por você.

    O mais importante é isso: ouvir e elogiar e ouvir a apontar erros, para o bem dos sinceros e justos, daqueles que dizem "cultivar o amor..."

    Enéias

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