sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A Ilusão de Design (1ª parte)

por Richard Dawkins

O mundo está dividido em coisas que parecem como se alguém lhes tivesse projetado (asas e rodas de carros, corações e televisores), e coisas que só aconteceram através do funcionamento involuntário da física (montanhas e rios, dunas de areia, e sistemas solares).


O Monte Rushmore pertencia firmemente à segunda categoria até que o escultor Gutzon Borglum o trabalhasse, caindo na primeira. Charles Darwin foi em outra direção. Ele descobriu uma maneira na qual as desamparadas leis da física – as leis segundo as quais as coisas "simplesmente acontecem" – poderiam, na totalidade do tempo geológico, imitar um design proposital.

A ilusão de design é tão bem sucedida que a maior parte dos americanos hoje (incluindo, significativamente, muitos americanos ricos e influentes) teimosamente se recusa a acreditar que é uma ilusão. Para essas pessoas, se um coração (ou um olho ou um flagelo bacteriano) parece arquitetado, isso é prova suficiente de que é projetado.


Não admira que Thomas Henry Huxley, "o buldogue de Darwin", ao ler A Origem das Espécies, disse sobre si mesmo: "Como fui estúpido em não ter pensado nisso antes." E Huxley era o menos estúpido dos homens. O fôlego e alcance da idéia de Darwin – amplamente documentado no campo, como Jonathan Weiner descreve em "Evolução em Ação" – aliam-se com sua audaz simplicidade. Pode-se escrevê-la em uma frase: sobrevivência não-aleatória de instruções hereditárias variando aleatoriamente para a formação de embriões. No entanto, dadas as possibilidades oferecidas pela grande quantidade de tempo, esse simples e pequeno algoritmo gera prodígios de complexidade, elegância, e diversidade de design aparente. O verdadeiro design, do tipo que vemos numa escultura, num avião a jato, ou num computador pessoal, acaba por ser uma manifestação de uma entidade – o cérebro humano – em que ela própria nunca foi projetada, mas é um produto desenvolvido pelo moinho de Darwin.


Paradoxalmente, a extrema simplicidade do que o filósofo Daniel C. Dennett chamou de a perigosa idéia de Darwin pode ser sua maior barreira a aceitação. As pessoas têm dificuldade em acreditar que um mecanismo tão simples possa chegar a resultados tão poderosos.

Os argumentos de criacionistas, incluindo aqueles criacionistas que camuflam as suas pretensões sob a frase politicamente desonesta "teoria do design inteligente", repetidamente regressam à mesma grande falácia. Algo parece projetado. Logo, foi projetado. Continuando meu paradoxo, há a idéia de que o ceticismo de quem muitas vezes recebe a idéia de Darwin é uma medida da sua grandeza.


Parafraseando o geneticista do século 20 Ronald A. Fisher, a seleção natural é um mecanismo de geração de improbabilidade em uma enorme escala. Improvável é quase um sinônimo para inacreditável. Qualquer teoria que explica o que é altamente improvável está pedindo para ser negada por aqueles que não a compreendem.

No entanto, o altamente improvável existe no mundo real, precisa ser explicado. Improbabilidade adaptativa – complexidade – é precisamente o problema da vida que qualquer teoria tem de resolver e que a seleção natural, a única que até então a ciência reconhece, resolve. Na verdade, é o design inteligente a maior vítima do argumento da improbabilidade. Qualquer entidade capaz de projetar deliberadamente uma criatura viva, para já não falar de um universo, teria de ser extremamente complexa por si própria.


Se, como o astrônomo dissidente Fred Hoyle acreditava erroneamente, a espontânea origem da vida é tão improvável quanto um furacão soprando um ferro velho tivesse a sorte de montar um Boeing 747, então um designer divino é o Boeing 747 acabado. A origem espontânea do designer, ex nihilo, teria de ser ainda mais improvável do que a mais complexa de sua alegada criações. A menos, claro, que ele tenha se baseado na seleção natural para fazer o seu trabalho! E, nesse caso, se poderia perguntar, ele precisa existir absolutamente?

Continua...

2 comentários:

  1. Cleiton,

    Terminei o estudo do livro "Deus, um delírio" e confesso que considero Dawkins MUITO mais honesto que os muitos criacionistas que conheci.

    Acredito que essa será um ótima série.

    SDS

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  2. Realmente, a única coisa difícil de entender nessa história toda é a determinação dos criacionistas em negar a viabilidade dos "imperfeitos" organismos vivos a partir do nada, ao passo que defendem ardentemente a auto-existência de um ser "perfeito" e "complexo" ao molde do deus bíblico.

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