sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Uma Questão de Interpretação - Parte 4 (Última Parte)

por Cleiton Heredia

Caso você tenha acompanhado esta série na expectativa de conhecer o verdadeiro significado da música "Hotel California", sinto desapontá-lo, mas não encontrei qualquer declaração dos compositores dizendo o que tinham em mente ou qual mensagem intencionavam passar através da letra.

Portanto, resta-nos apenas tecer interpretações e ficar com aquela que nos parece mais lógica e coerente. Porém, sempre lembrando que pode existir uma diferença significativa entre a nossa interpretação favorita e a VERDADE.

Agora, imagine você que eu queira estabelecer uma religião tendo como base a letra da música "Hotel California" da Banda Eagle. Esta letra seria nossa bíblia e seus compositores nossos profetas.


Bem, é claro que como eu sou o fundador desta religião, vou estabelecer seu corpo doutrinário com base na interpretação que me faz mais sentido e que PARA MIM corresponde exatamente à "verdadeira" mensagem que estava na mente dos compositores.

Como para mim esta é a verdade inquestionável, qualquer outra interpretação diferente da minha será considerada como um erro ou uma heresia, e, portanto, será rejeitada e até combatida.

Acho que você já deve ter entendido onde pretendo chegar com esta argumentação. Sim, quero refletir um pouco na Bíblia, que é uma coleção de livros escritos num período de cerca de 1600 anos por aproximadamente 40 autores.


Como nenhum destes autores, também chamados de profetas, está vivo para explicar em detalhes todos os pontos de seus escritos, resta-nos o recurso da interpretação e, posteriormente, a escolha daquela que para mim é a mais lógica e coerente. Esta, então, será eleita como "a verdade", de forma que, qualquer outra interpretação que divirja da minha será classificada como um erro, um engano, uma heresia ou uma mentira.

O problema é que para o outro que interpreta de forma diferente da minha, a sua interpretação é que é a mais lógica e coerente, e portanto, ela é a sua verdade. Para este, a minha interpretação é que não passa de uma mentira ou uma heresia. Temos então duas interpretações diferentes que ao mesmo tempo são duas verdades e duas mentiras.


Nesta história toda existe ainda o agravante terrível de que ninguém está disposto a considerar de forma desapaixonada e imparcial a interpretação do outro. Cada um concentra-se de forma unilateral apenas na sua interpretação tentado provar que está com a verdade e desprezando as outras interpretações ou, quando passa a analisá-las, o faz com a predisposição de provar que elas estão todas erradas.

Quem está com a verdade?

É neste momento que surgem os modernos porta-vozes de Deus dizendo que receberam iluminação divina para conseguir separar a verdade da mentira. Eles são os profetas modernos. Na comparação com a música "Hotel California", é como surgisse alguém que falasse: "Eu conheci seus compositores e ouvi da própria boca deles a explicação do significado desta letra".


Mas isto não ajuda muito o sincero pesquisador da verdade, pois em primeiro lugar não existe uma forma objetiva de determinar que este profeta moderno realmente esteja falando a verdade; e em segundo lugar, existem muitos outros profetas modernos afirmando que tiveram a mesma iluminação divina, mas com interpretações completamente diferentes entre si. No nosso exemplo da música, é como se surgissem outras pessoas também afirmando terem tido contato com os compositores, mas com explicações completamente divergentes.

Com esta reflexão, não pretendo lançar dúvidas sobre a Bíblia, mas apenas fazer você pensar um pouco em quão pretensioso e prepotente pode ser pretender que a MINHA interpretação seja a verdade absoluta, rejeitando e até combatendo todas as demais que divirjam da minha como se fossem um erro diabólico.

Tudo é uma questão de interpretação!


É por este motivo que apenas um livro como a Bíblia pode originar tantas religiões diferentes e antagônicas entre si. Cada um a interpreta da maneira que lhe é mais conveniente, não estando disposto a considerar que a sua interpretação é apenas uma entre muitas, e que, mesmo sendo uma interpretação muito lógica e coerente, ela pode não ser exatamente a idéia que ia na mente do autor.

Não questiono aqui o fato das pessoas escolherem acreditar naquilo que para elas faz mais sentido, mas apenas critico a maneira preconceituosa, discriminatória e muitas vezes intolerante com que a maioria delas vêem todos os demais que pensam de forma diferente.

2 comentários:

  1. Cleiton:

    No que tange à letra fico com a sua postagem anterior, digo, sua maneira de interpretar.

    Quanto à postagem de hoje: considero-a a mais fantástica de todas as que fez aqui (e olha que são muitas e boas). Corrobora com aquilo em que tanto creio. Existem dois tipos de pessoas no mundo religioso: as convictas e as alienadas, certo?

    Para você que torce para o campeão de todos os anos "São Paulo", finalizo dizendo que o "post" foi um show de bola!

    SDS

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  2. É impossivel ser religioso e não ser preconceituoso, pelos motivos que você mesmo destacou na postagem.

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