segunda-feira, 5 de maio de 2008

Relato da Meia-Maratona mais difícil do Brasil - Extrema 2008


A Corrida Noturna de Montanha em Extrema é unanimidade entre os Corredores de Montanha e por isto é sempre aguardada com muita expectativa e ansiedade por todos. De todas as cinco edições, tive a satisfação, privilégio e orgulho de ter participado das últimas quatro, ou seja, de todas as edições noturnas (a primeira edição em 2004 foi a única realizada de manhã). Na verdade, esta prova noturna em Extrema, por todas as histórias que dela são contadas pelos corredores, expectadores e realizadores, já virou lenda.

Quem por exemplo não ouviu falar da lenda do corredor desaparecido? Acho que foi em 2005 ou 2006 que contam a história de um corredor que largou e nunca chegou. O pessoal do resgate, após a prova, percorreu novamente todo o percurso para ver se encontrava o dito cujo, mas nada. No dia seguinte contam que as buscas continuaram, mas o cara tinha sumido mesmo. Mistério!!! O que será que aconteceu??? Perdeu-se na serra e se afastou muito da trilha indo parar sabe-se lá onde? Foi devorado por uma Anaconda? Foi atacado pelo Chupa-Cabra? Foi abduzido? Caiu num buraco negro e foi parar numa outra dimensão? Nada disto! Depois de muito tempo, descobriu-se que se tratava de um caso de abandono de prova sem comunicar devidamente a direção. Falha grave! Hoje já existe multa pesada para quem quiser repetir a façanha.

Mas falando em histórias de Extrema, dia 3 de maio de 2008 aconteceu a 5ª edição e outras muitas poderão ser contadas. Aqui vai a minha...

Acordei cedo no sábado, pois a ansiedade impedia que eu continuasse por mais tempo na cama. Passei a mão na minha bagagem, já minuciosamente preparada no dia anterior, e me dirigi à rodoviária do Tietê. Lá encontrei por acaso outros dois corredores: Tatiana e Antônio Pinto, carinhosamente apelidado pela família dos corredores de montanha simplesmente como “Pinto”. O “Pinto” é gente “finíssima” (no bom sentido, é claro); um rapaz calmo e educado que com muito bom humor tira de letra as brincadeiras feitas com seu “codinome”: “Este Pinto está muito mole hoje... Vamos lá Pinto, levanta!”, ou ainda: “Quando eu olhei para trás e vi que o Pinto vinha tentando me alcançar, corri feito doido”.

Fizemos uma viagem muito agradável falando sobre corridas, treinos, alimentação e teve até uma pequena sessão de mágicas que eu me arrisquei a fazer com eles. Chegamos a Extrema por volta do meio dia e meio, subimos a pirambeira até a pracinha e tratamos de procurar um local para comer. Num dos poucos restaurantes disponíveis na cidade encontramos o resto da turma. Foi um almoço simples, mas bem divertido – a turma é muito animada! Comemos muito e rimos mais ainda.

Me senti grandemente honrado em poder partilhar da mesma mesa com a elite das corridas de montanha no Brasil. Ali só tinha vencedor e campeão, e eu, bem... eu era o único pangaré no meio daquelas feras todas. O que eu admiro de verdade nesta turma batalhadora que consegue voar nas trilhas é a humildade, pois mesmo sendo as estrelas do show, não se importaram em ter ao lado alguém que estaria ainda na metade da prova quando eles já a teriam terminado. Esta turma estará sempre em primeiro, não somente nas corridas, mas também no meu coração.

Após o almoço, procurei descansar um pouco, mas foi difícil, pois a adrenalina já começava a tomar conta do meu corpo. Devido aos “maus bocados” pelos quais passei na última edição (2007), sentia um misto de medo misturado com uma vontade enorme de iniciar a prova e provar para mim mesmo que aquele ano seria tudo diferente.

Agora faltavam apenas alguns minutos para a largada e lá estávamos todos nós: corredores veteranos já conscientes da “pedreira” que teríamos pela frente e muitos corredores novatos que meio desconfiados nos perguntavam – “Esta corrida é realmente tudo aquilo que falam dela?” Bem, nós não queríamos assustá-los mais do que já estavam, e por isso apenas nos limitávamos solidariamente a responder – “Calma, você ainda não viu nada! Será muitíssimo pior de tudo aquilo que já tenha escutado” – o sorriso sarcástico ao final era inevitável.

Às 18:00 horas foi dada a largada. Desfilamos orgulhosos pelas ruas da pequena Extrema como verdadeiros guerreiros indo para uma batalha ou mesmo gladiadores indo para uma luta de vida ou morte. Na verdade era exatamente isto que todos éramos: corajosos guerreiros e vorazes gladiadores com uma única certeza em mente: “ISTO VAI DOER MUITO!”

A corrida, mesmo para os corredores mais experientes, foi muito mais difícil que qualquer uma das edições anteriores. Como na sexta que antecedeu o dia da prova havia chovido praticamente o dia todo, as trilhas estavam muito úmidas e perigosamente escorregadias. Estas condições permitiram que eu estabelecesse meu mais novo recorde nas corridas de montanha – bati meu recorde de tombos! Minha nossa, nunca caí tanto numa prova quanto nesta. Era tombo de tudo quanto era jeito, alguns cinematográficos, outros ridículos, alguns hilários, outros dramáticos e muito doloridos. Num deles meu pé enroscou num cipó bem numa descida íngreme, fazendo com que o pé ficasse e o resto do corpo continuasse. Abri um “espacato” que jamais imaginaria ser capaz de fazer e quase quebrei a perna. Na estrada de terra, que mais parecia estrada de limo, eu parecia que estava jogando futebol de sabão. Levantada e caía ininterruptamente. Era de dar raiva!

Ao chegar ao km 12 já havia transcorrido mais de 2:30 horas de prova e o cansaço já se fazia sentir (este ano não consegui fazer nenhum treino com mais de 12 km). As dores nas pernas já eram fortes e eu não sabia bem se era em razão do esforço da primeira grande subida ou simplesmente uma seqüela dos muitos tombos. Uma outra coisa que me atrapalhou muito foi uma bolha na planta do pé que começou a se desenvolver no km 3 e que nos km 12 já havia estourado deixando parte do pé em “carne viva”. A partir daí cada passo foi acompanhado de uma aguda dor que me acompanhou até cruzar a linha de chegada.

Conforme me aproximava do “pasto da morte” minha apreensão ia aumentando cada vez mais. O trauma do ano passado ainda estava bem vívido em minha memória. Minhas energias já estavam bem reduzidas e eu procurava ingerir algumas barrinhas de cereais que levava comigo na tentativa de repô-la, mas comecei a sentir ânsia de vômito e não insisti.

O “pasto da morte” chegou e na seqüência a temida escalada que levava ao cume da Serra Forja. Não adianta! Por mais consciente que eu estivesse das dificuldades que enfrentaria nesta subida, na hora “H” tudo se potencializa muito além de qualquer expectativa. Foi uma subida dramática, pois o terreno estava muito escorregadio e a vegetação, que serve de apoio, muito úmida. Cada metro era conquistado somente com muito esforço físico, e isto fez com que precisasse fazer várias paradas para recuperar o fôlego e tentar diminuir os batimentos cardíacos. Os últimos 10 metros foram os mais dramáticos, pois estava sentindo muita tontura e tinha uma enorme dificuldade de subir em linha reta.

Depois de 40 minutos de muita luta cheguei novamente no topo. Agora era só descer. Só?!?! Acontece que descer extenuado e com as pernas detonadas é tão difícil quanto subir, porém muito mais doloroso. Desci em ritmo muito lento, prolongando desta forma minha exposição ao gelado vento que castigava a serra (acho que a sensação térmica era de uns 5 graus).

Já haviam se passado 4 horas de prova e ainda faltavam 4 km. Em condições normais, esta distância não exigiria mais que 20 minutos de corrida. Mas minhas condições físicas estavam tão debilitadas que demorei o dobro do tempo. Completei a prova em 4:43 horas, feliz por ter terminado, mas muito decepcionado com o meu tempo.

E é isso aí! Desculpem aqueles que esperavam um final apoteótico, mas desta vez termino sem mais delongas: a corrida foi “5 estrelas” (é indiscutivelmente a “meia” mais difícil do Brasil, se não for do mundo), mas meu desempenho foi uma droga!

De volta aos treinos...

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