por Cleiton Heredia
Acredito que a maioria já deve ter ouvido aquela jocosa frase de que dentro de um avião em pane ou nas trincheiras de uma guerra não existem ateus.
Parece-me um tanto quanto óbvio que o criador deste tipo de pensamento foi um religioso. Para ele o conceito de uma divindade que lhe oferece respostas, proteção e esperança é algo tão profundamente enraizado em sua mente que ele não consegue imaginar como alguém conseguiria sobreviver sem isto.
Porém, tenho para mim, por experiência própria, que quer seja para um religioso, quer seja para um ateu, o sofrimento sempre é algo muito difícil de se lidar. Tanto a crença em uma divindade como a ausência dela traz consigo alguns elementos que podem, ora ajudar, ora complicar a situação daquele que sofre.
Imaginemos, por exemplo, uma situação comum de alguém que sofre em função de alguma tragédia pessoal. Caso seja um religioso terá o conforto e esperança que a sua crença lhe proporciona, mas, por outro lado, poderá também ser afligido por alguns dilemas muito complicados, como o gerado pela situação real que passo a descrever:
Um crente acordou atrasado para o trabalho e saiu correndo de casa na tentativa de não chegar atrasado. Ao chegar ao ponto de ônibus, ele vê que se aproxima naquele exato momento justamente o "seu" ônibus. Ele dá graças ao seu deus por isto que ele considera uma benção divina, pois foi justamente aquele ônibus que permitiu que ele chegasse a tempo no serviço. Mais tarde ele recebe um telefonema comunicando que sua casa foi invadida por bandidos que mataram a sua esposa e estupraram a sua filhinha de apenas 4 anos de idade. Fico imaginando o profundo dilema que pode passar pela cabeça deste pobre homem ao ele verificar que o mesmo deus que controlou o trânsito naquela manhã de forma a permitir que o seu ônibus chegasse no exato momento que ele precisava, não pode (ou não quis?) controlar outras situações muito mais importantes que permitiram que aqueles bandidos pudessem chegar até a sua residência e cometessem tal monstruosidade. Porque o deus que manipulou o trânsito naquela manhã, não o fez também para impedir que aqueles bandidos chegassem até sua casa? Ou ainda mais simples, porque deus simplesmente não permitiu que eles fossem atropelados no caminho até sua residência? Com certeza, um deus todo poderoso teria inúmeras maneiras de evitar aquela tragédia.
É claro que tais dilemas metafísicos não torturariam um ateu, pois em seu conceito de mundo não existem seres sobrenaturais com soluções mágicas ou miraculosas. O religioso pode até querer se convencer de que a dor de uma pessoa religiosa que tenha passado pela situação acima descrita, seja menor do que a dor de um ateu que passe pela mesma situação. Mas será que a dor é realmente menor? Sinceramente, eu não apostaria nem sequer um centavo na possibilidade desta dor ser menor em um caso do que em outro. Para mim a dor é igual e tão grande quanto.
Eu até entendo que o religioso pode apegar-se à sua divindade para conseguir superar o sofrimento que lhe aflige, mas em termos práticos e palpáveis, precisamos entender que grande parte deste conforto vem através do apoio de familiares e amigos que se solidarizam com o sofredor. E isto não é um privilégio dos religiosos.
Se continuarmos nossa análise pela ótica da praticidade veremos que religiosos não são muito diferentes dos ateus quando lidam, por exemplo, com uma doença. Ambos recorrem aos hospitais, aos médicos e à tecnologia medicinal. Não conheço um único religioso que, ao adoecer, apenas ore ao seu deus pedindo que o cure. Todos oram, mas todos também recorrem ao ser humano na busca por soluções para o seu sofrimento. A diferença está em que o religioso entende que o ser humano será o instrumento na mão de sua divindade para curá-lo, e o ateu apenas entende que ali está uma pessoa que se preparou para ajudá-lo. O religioso exerce sua fé e o ateu exerce o seu pensamento positivo.
Nenhum dos dois tem a garantia da cura. Caso o religioso não seja curado, ele olhará com resignação para a sua divindade, procurando entender e aceitar, mediante a fé, que não foi da vontade do seu deus. Caso o ateu não seja curado, ele também olhará com resignação para todos os recursos utilizados, procurando entender e aceitar, mediante a razão, que apenas não foi possível.
Quem lida melhor com o sofrimento, religiosos ou ateus? Acredito que são os religiosos, mas isto não significa que os ateus não sabem lidar com o sofrimento. Cada um a sua maneira, todos, de uma forma ou outra, acabam aprendendo. Deste aprendizado depende a nossa sobrevivência.
Cleiton e amigos,
ResponderExcluirO que minora a dor do religioso é a esperança quanto ao futuro. Quando o ateu perde um ente querido ele assume que a despedida foi para sempre. O religoso entende que haverá um reencontro e por essa razão se acomoda melhor...
O problema é que o religioso confunde esperança com verdade...
Enéias
Correto, Enéias.
ResponderExcluirOs religiosos lidam melhor com o sofrimento do que os ateus, justamente por causa da esperança.
Mas esta esperança pode também funcionar como uma espécie de anestesia que impede a pessoa de viver os relacionamentos como momentos únicos e para os quais não haverá compensação futura.
Abraão aceitou sacrificar seu filho porque tinha a esperança de revê-lo na eternidade. Da mesma forma muitos pais sacrificam sua família em nome de uma divindade na esperança que terá toda uma eternidade para ser feliz ao lado deles.
Já o ateu entende que não terá uma outra oportunidade de ser feliz e fazer feliz aqueles que ama.
Diante da morte, enquanto o religioso se conforta com a esperança, o ateu se conforta com a realidade dos bons momentos que viveu ao lado daquela pessoa.